quinta-feira, 26 de maio de 2022

IBGE: Um Armário do tamanho do BRASIL

por Alexandre Bortolini

No dia 25/abril foi divulgado o primeiro levantamento feito pelo IBGE sobre orientação sexual da populaçao brasileira. Através da Pesquisa Nacional de Saúde realizada em 2019, o IBGE chegou ao número de 2,9 milhões de pessoas que se autodeclararam homossexuais ou bissexuais no Brasil (ou de alguma outra orientação que não heterossexual). Quase 3 milhões de pessoas, o que corresponde a 1,8% % da população.
 
Para chegar a esse número, o IBGE não entrevistou toda e cada bixa ou sapatã brasileira. Uma pesquisa por amostragem não precisa entrevistar todo mundo pra mapear uma dada realidade. O método aplicado pelo IBGE permite projetar, a partir de um pequeno (mas representativo) grupo, a realidade de toda a população brasileira. O mesmo método aplicado há décadas para produzir boa parte das mais importantes estatísticas brasileiras.

Quando o instituto divulgou a pesquisa, muitas pessoas ficaram chocadas com o número. E não é a toa. Só a parada do orgulho de São Paulo reuniu mais de 3 milhões de pessoas em 2019. Ainda que parte do público fosse hétero ou turistas estrangeiros, precisaríamos juntar quase todas as LGB+ assumidas do Brasil pra completar a multidão reunida aquele ano na Avenida Paulista. Certamente, o número de lésbicas, gays e bissexuais no Brasil é muito maior. Mas não é isso q a pesquisa mediu.

O que a pesquisa nos diz é o número de brasileires que se AUTODECLARAM LGB+. Ou seja, que quando perguntados por um entrevistador, no contexto doméstico, sem direito a anonimato, se assumem homo/bissexuais. No fim das contas, a grande revelação dessa pesquisa não é o número certo ou errado de LGB+ no Brasil, mas o tamanho (ENORME) do nosso ARMÁRIO. A partir dos dados do levantamento, podemos ter uma ideia da quantidade de lésbicas, gays, bi, pansexuais pra quem a regra ainda é o silêncio. Ou a máscara. O percentual de pessoas q não souberam ou não quiseram responder à pergunta foi de 3,4%, o que corresponde a mais de 6 milhões de pessoas.  Sem contar as que, por medo, se declararam hetero. Um armário de MILHÕES. Milhões de bixas, sapatãs e cia que não tem condições mínimas de segurança para responder com franqueza uma simples pergunta sobre sua orientação sexual.

No Brasil do presidente homofóbico, criador do kit gay, defensor da família (dele) e combatente fervoroso da "ideologia de gênero", não é de se admirar que tanta gente se sinta insegura em revelar a sua sexualidade. No país que mais mata travestis e trans no mundo (que aliás, nem sequer entraram na pesquisa), sair do padrão é risco de vida. Já era de se esperar que, numa sociedade lgbtfóbica como a nossa, muitas pessoas não tenham coragem de se assumir. E xingar a pesquisa é culpar o mensageiro. Ainda que triste, a informação que o IBGE nos trouxe é valiosíssima. Agora sabemos o tamanho do armário no Brasil. Conseguimos ter uma dimensão mais real, menos distorcida pelas nossas bolhas ativistas, da quantidade de LGB+ que, vinte anos adentro do século XXI, ainda seguem amarrados pela homofobia.

Mas nem tudo é tristeza. Ainda que o armário seja gigante, temos 3 milhões de brasileires LGB+ assumides, e isso não é pouca coisa. Além disso, agora temos um dado oficial nacional (e não só projeções baseadas no q a gente acha), que não é pequeno e só reforça a necessidade de políticas públicas específicas pra nós. Imagine todos os tipos de análise sobre moradia, renda, escolaridade ou tantos outros recortes que agora vão poder comparar a realidade da população LGB+ com a do resto da população brasileira. E, quem sabe, evidenciar as desigualdades de que a gente tanto fala. Isso é importantissimo.

Outros dados interessantes do levantamento do IBGE sobre orientação sexual:

IDADE: O que a gente já esperava, uma proporção maior de assumidos entre os jovens e o armário mais forte entre os mais velhos.
RENDA: O percentual maior de autodeclaração entre as faixas de maior renda não significa necessariamente que pobres são mais preconceituosos, mas talvez que, numa sociedade capitalista, o dinheiro ajude a lidar com a discriminação.
ESCOLARIDADE: Como no Brasil renda e escolaridade andam juntas, esse dado talvez seja mais reflexo das diferenças econômicas que propriamente efeito de uma educação inclusiva. Nossas escolas hoje vivem um verdadeiro terrorismo ideológico e falar de gênero e sexualidade em sala de aula é muito difícil.
RAÇA/COR: Cai de vez por terra o mito de que há mais homofobia entre pessoas negras - pretos e pardos tem índices ligeiramente mais altos de autodeclaração do q brancos.

E por fim, não consigo imaginar nenhum outro motivo além de transfobia para as pessoas trans não terem sido incluídas no levantamento. Poderíamos já ter finalmente um dado nacional sobre a população trans brasileira e, mais uma vez, esse grupo ficou pra depois. Transfobia também é crime. E mata. Já passou da hora, IBGE.