quarta-feira, 7 de abril de 2021

Pais mestiços, filhos racistas?

 

por: ALEXANDRE BORTOLINI

Eu nunca vi o cabelo natural das minhas tias. Dos homens, mal cabelo se via e ao sinal da primeira moitinha: barbeiro! Quando eu era criança, lembro da minha mãe e minha vó(drasta) discutindo o que fazer pra resolver o "problema" do meu cabelo "ruim". Filho de pai pardo e mãe branca, a educação racial que eu recebi foi provavelmente a mesma da maioria dos brasileiros. "Somos todos mestiços" e "ninguém é branco ou preto no Brasil" vinham junto com "que pena que ele puxou justo o cabelo do pai". Se olhar a história da parte negra da minha família, ela aponta claramente(!) para o embranquecimento. Avô negro, neto de escravizados, que casa com a filha do imigrante italiano. Seus filhos e filhas, todos(!), se casaram com pessoas brancas, inclusive meu pai. E assim sucessivamente, com raríssimas (e condenadas) exceções. Nas gerações mais novas, praticamente já nasceram todos brancos. Por anos essa mesma família de cabelo alisado e sobrenome europeu se dedicou a adentrar o círculo da branquitude. A "italianidade" era reforçada a cada oportunidade, enquanto a herança negra, apagada. Não só do corpo, mas da "alma". Eu fui intencionalmente educado pra incorporar uma cultura white middle class. Sorte minha que eu cresci em Madureira, e não nos Jardins.


Construir uma autopercepção positiva nesse ambiente não era impossível, mas significava necessariamente se render ao embranquecimento. Cabelo? Cortado ou alisado. Destaque pros "olhos claros" e o sobrenome italiano. MPB ao invés de funk. Os "negros" são os "outros". E sim, funciona! Pra boa parte dos mestiços de pele clara, o cabelo crespo pode ser a única coisa que lhes separa da branquitude e dos privilégios que ela traz. E se você vive num contexto majoritariamente negro como o subúrbio carioca, "parecer branco" produz vantagens bem concretas, do tratamento policial à vida sexual e afetiva.


Esse sistema que favorece quem se embranquece não é uma invenção da minha família, mas uma forma de gerenciar as relações raciais que existe desde que o Brasil é Brasil. Aliás, uma das coisas que nos define, ainda hoje, como sociedade. Pardos escravizados tinham mais chances de serem alforriados que pretos. Quanto mais clara a pele, maiores as oportunidades educacionais, afetivas, de renda e de trabalho. Desde que, vale lembrar, você abrace a branquitude e apague o que há de negro em si. Um sistema que premia o embranquecimento enquanto massacra a negritude.


Quando vejo o já ex-BBB recorrendo ao cabelo do pai pra escapar do flagrante de racismo, eu lembro não só dos meus anos de cabelo alisado, mas da educação que, por muito tempo, eu recebi dentro de casa. Me arrepio imaginando a pessoa que eu poderia ter me tornado, não fosse o que me ensinaram... na rua! Afinal, que tipo de letramento racial uma familia miscigenada comprometida com o embranquecimento poderia dar pros seus filhos? Quando a meta é a branquitude, racismo é lição q se aprende desde o berço.


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

A minha esperança é o Lucas [por Alexandre Bortolini]

 


Se a Karol não é militante a FlordeLis tb não é crente. Melhor a gente assumir os B.O.

Anos 90, a militância assumiu o formato 3o setor. CNPJ. ONG. Financiamento público pra fazer o trabalho do Estado, financiamento privado como marketing social.
Anos 2000, a militância foi formatada pelas políticas de partipação social. Conselhos, conferências, planos. Tudo muito institucional, governamental, estatal.
Anos 2010, foi a vez das redes sociais. Influencers, likes e ativismo radical modulado pelos algoritmos do zuckerberg.
No início de cada "era", nós nos empolgamos com o potencial desses novos formatos. Com o tempo, foram ficando evidentes os seus limites e, pior, os seus efeitos perversos. Por trás de tudo, capitalismo e estado modulando nossa prática política.

A militância q se tornou hegemônica pós-2013 se construiu justamente nesse lugar da superioridade moral e da agressividade como modo de ação em oposição a uma prática pedagógica, ao diálogo e à negociação. Milhões de fatores explicam pq isso aconteceu, da falência da política de coalizão petista até o modelo de negócio das redes sociais. A conta chegou. E agora estamos pagando o preço da arrogância, do isolamento e da (nossa própria) hipocrisia.




Jaque já perdeu 5 milhões. Outras pretes tão se queimando. Pro Lucas isso já é um trauma (q eu espero se alivie com a vitoria). Já o prejuízo para a militância antirracista, feminista e lgbt esse vai ser considerável. Tanto direita qto esquerda tem agora um balde de material pra nos atacar. Mais uma derrota na disputa cultural q a gente já vem perdendo. E em rede nacional. Os conservadores vão festejar o vexame das comunistas. E na esquerda vai crescer o ranço contra movimentos q já vem servindo de bode expiatório pras nossas derrotas. Uma esquerda q prefere culpar jovens de internet do q os caciques q fizeram as negociatas q nos trouxeram até aqui. E insiste em nao entender que travesti, preta e sapatao nao faz política identitária, faz Política, com P maísculo.

"Não esperem de nós um espetáculo, não esperem que falemos apenas de racismo, de LGBT, de mulheres, eu estou aqui para falar de educação, de transporte, de saúde, de direitos, por uma São Paulo que seja boa para todes." Erika Hilton Vereadora de São Paulo e mulher mais votada na eleição municipal de 2020

Assim como a gente insiste em não confrontar os nossos equívocos, nossas falas prontas, nossa incapacidade pro diálogo, nossa táticas autofagistas. A rejeição ao militante dono da verdade, dedo na cara, que só fala o discurso da sua bolha, não escuta e nao se comunica, q é mais estética do q prática, que quer q todo mundo aprenda, mas não é obrigada a ensinar não é invenção do BBB. Ela já tava aí faz tempo [e sim, ela ajudou a eleger o Bolsonaro]. A Globo só armou o circo e monetizou o espetáculo. Não é só o pt que precisa de autoKrítiKa (com K mesmo). Nós também. Precisamos nos reinventar. E urgente. Minha maior esperança nesse momento é o Lucas. Que ele acorde e nos acorde desse sonho medonho e desabroche o poeta revolucionário que ele é nos (re)ensine com seu verso um jeito pé-no-chão-e-no-sonho de fazer política.