Todo mundo diz que quer que as coisas mudem. Alguns querem que mude muito. Mas boa parte não quer que mude tanto assim. Tem muita gente magoada com a promessa não cumprida de primeiro mundo. Cariocas de classe média ressentidos porque finalmente descobriram que não, o Rio não é Nova York. Gente revoltada com a corrupção, mas que faz campanha pro Aécio. Gente que prega liberdade de expressão, mas não acha adequado dois homens se beijando na televisão. Gente pra quem a PM sempre foi muito útil, pra dizer quem são as pessoas de bem - elas, claro - e quem pode ser humilhado, expropriado, espancado ou tomar logo um tiro na cara pra saber o seu lugar.
Tenho medo, isso sim, é que essa gente babaca faça de novo o que já fez antes. Lá em 64, em 89, lembra? (se não era nascido, joga no google!) E em nome desse medo - que definitivamente não é dos black blocks - em nome do medo de não serem mais os únicos "formadores de opinião", os donos da razão, as elites intelectuais ou qualquer outra abobrinha direitista que seja, eles acabem sustentando o que já sustentaram antes.
O medo já foi e continua sendo usado pelos piores regimes da história (quem mandou ficar só decorando pro vestibular e não escutar direito o que aquele professor meio comunista dizia nas aulas...). E não só pelas ditaduras, não não. Os americanos são especialistas em fazer isso na "maior democracia do mundo" - haja vista como boa parte deles pode ficar aterrorizado com a ideia de um sistema público de saúde!!!
Mas a coisa não é tão simples. Se fosse só um medo de classe, era só mirar as bombas pro Leblon. Mas esse é também um medo moral. E conservador tem por toda parte. Porque o mundo é uma coisa só. É como um pega vareta. Se vc puxa praqui, acaba mexendo ali. E no medo de que tudo desmorone, e junto com a vidraça caia também a falácia das "pessoas de bem", é que a coroa classuda da Lagoa e a tia crente da Pavuna acabam dando as mãos. Na verdade tem gente com medo. Muito medo. Medo de que nessa onda venha água demais, e acabem legalizando a maconha, desmilitarizando a PM e abrindo a porteira da favela. E as empregadas domésticas, que (olha que ousadia) já dividem o mesmo avião com elas, agora sentem no sofá! E que as primas sapatão agora tenham lugar na mesa do jantar.
O problema, e esse é um problema grave, é que pobre tá fazendo faculdade, racismo dá cadeia, bicha tá casando e puta tá querendo carteira de trabalho. Até os vegetarianos tão ficando mais abusados. E é exatamente por isso que eu não tô com medo. E é exatamente por isso que eu tô, finalmente, com alguma esperança.